
TCU decide: critério de desempate por localidade não pode ser aplicado em licitações federais
Por Luan Cristian Lourenço. Advogado das empresas da Construção Pesada.
Belo Horizonte, 09 de setembro de 2025.
O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1733/2025-Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, reafirmou a centralidade do princípio da legalidade nas contratações públicas ao declarar que o critério de desempate por localidade previsto no art. 60, § 1º, I, da Lei 14.133/2021 não se aplica a licitações realizadas por órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
A decisão teve origem em representação sobre os Pregões Eletrônicos 90.056/2024, do INSS, e 90.003/2024, do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia, em que o sistema Compras.gov.br aplicava automaticamente a preferência para empresas sediadas no Distrito Federal em casos de empate. A Secretaria de Gestão e Inovação (Seges/MGI) defendia que essa prática estaria em harmonia com o princípio do desenvolvimento nacional sustentável e que a interpretação do dispositivo legal deveria ser ampla, de modo a alcançar também as licitações federais.
O TCU, entretanto, foi firme ao rejeitar tal argumento. O voto do Ministro Zymler destacou que a redação da Lei 14.133/2021 é clara e taxativa: a preferência por empresas locais foi limitada pelo legislador a certames realizados por estados, Distrito Federal e municípios. A ausência de menção à União não constitui lacuna normativa, mas sim uma delimitação consciente do alcance da regra. Assim, não cabe interpretação extensiva ou analógica que amplie a incidência do critério para licitações federais.
Outro ponto central do voto foi o alerta de que a aplicação indevida desse critério em certames nacionais compromete a isonomia entre os licitantes e restringe indevidamente a competitividade. O relator registrou que, embora seja legítimo fomentar o desenvolvimento socioeconômico, tais objetivos devem ser perseguidos dentro dos limites da lei, sob pena de desvirtuar o regime jurídico das licitações públicas. O Ministro ainda ponderou que, antes mesmo da realização de sorteio previsto na Instrução Normativa 79/2024, o sistema Compras.gov.br já estava programado para selecionar apenas empresas do estado do órgão contratante, mesmo quando se tratava de órgão federal, o que reforça a irregularidade constatada.
A consequência prática imediata foi a determinação à Seges/MGI para que, em até 180 dias, ajuste o portal de compras, de modo a eliminar a aplicação automática do critério de localidade em certames federais. Trata-se de comando vinculante, alinhado à jurisprudência recente do TCU (Acórdãos 1.047/2025, 779/2025 e 723/2024), que fortalece a uniformização da interpretação sobre o tema.
No setor da construção pesada, o impacto é evidente. Basta imaginar uma concorrência federal para manutenção de rodovias ou execução de obras em ferrovias: diante de propostas empatadas, uma empresa sediada em Brasília poderia ser artificialmente favorecida em detrimento de construtoras de Belo Horizonte, São Paulo ou Recife. Com a decisão do TCU, essa distorção deixa de existir. O desempate seguirá apenas os mecanismos expressamente previstos na lei, disputa final, avaliação de desempenho contratual prévio, equidade de gênero e programa de integridade, preservando a igualdade de condições entre todas as empreiteiras que disputam certames nacionais.
Assim, o acórdão não apenas corrige uma falha sistêmica, mas também reafirma que o desenvolvimento regional deve ser buscado por meios legítimos, dentro dos contornos normativos, e não à custa da competitividade e da segurança jurídica. Para empresas da construção pesada que atuam em escala nacional, a mensagem é clara: as licitações federais passam a oferecer um ambiente mais previsível, transparente e isonômico, em que a capacidade técnica e a eficiência operacional prevalecem sobre critérios territoriais sem respaldo legal.
Dentro desse conjunto de critérios, merece destaque a previsão do art. 60, inciso III, da Lei 14.133/2021, que introduziu uma significativa inovação: a possibilidade de utilizar o desenvolvimento de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho como critério de desempate.
Mais do que um detalhe formal, trata-se de um alinhamento da legislação de compras públicas com agendas sociais contemporâneas. O objetivo é claro: mobilizar o poder de compra do Estado – que representa parcela expressiva do PIB nacional, para induzir o setor privado a adotar práticas de gestão mais inclusivas e igualitárias. Essa medida insere-se no contexto mais amplo do desenvolvimento nacional sustentável (art. 11, IV, da NLLC), que não se limita às dimensões ambiental e econômica, mas também alcança a dimensão social.
Ao premiar empresas que demonstram compromisso com a equidade de gênero, a Administração sinaliza a centralidade dessa pauta e estimula um ciclo virtuoso: companhias implementam políticas de diversidade, recebem melhor pontuação em licitações, aumentam sua competitividade e, ao mesmo tempo, contribuem para mudanças estruturais na sociedade.

Luan Cristian Lourenço – Advogado Sócio da Santiago Ferreira Pinto Rocha & Lourenço Advogados
Advogado das empresas da Construção Pesada.