Santiago Ferreira Pinto Rocha & Lourenço Advogados

ISS SOBRE SERVIÇOS DE GUINCHO, GUINDASTE E IÇAMENTO: NOVAS REGRAS E IMPACTOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL.

Por Dr. Luan Cristian Lourenço – Advogado, assessor de empresas da construção pesada.

Belo Horizonte,
Belo Horizonte, 10 de outubro de 2025.

O julgamento recente do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 2204503, reafirmou que a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, não exige prova de restrição à liberdade de locomoção. Basta que os trabalhadores sejam submetidos a condições degradantes ou a outras hipóteses previstas no dispositivo legal. O caso concreto envolveu treze trabalhadores encontrados em condições absolutamente precárias em fazenda na Bahia. Embora reconhecida a precariedade, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que não havia crime, uma vez que os empregados não estavam impedidos de ir e vir. O STJ, entretanto, reformou o acórdão e destacou que a degradação das condições de trabalho é suficiente para caracterizar a tipicidade penal.

A análise desse precedente permite um rico diálogo entre o Direito Penal, o Direito do Trabalho e o Direito Civil. No campo penal, a decisão reafirma que o artigo 149 do Código Penal é um tipo misto alternativo: a prática de qualquer das condutas ali descritas já consuma o crime. A interpretação restritiva adotada pelo tribunal de origem, ao exigir cerceamento de locomoção, desconsidera a finalidade de proteção da dignidade da pessoa humana, que vai muito além da liberdade física. Do ponto de vista criminal, a resposta do STJ é clara: condições indignas, insalubres e degradantes de trabalho são suficientes para caracterizar escravidão contemporânea, ainda que não haja correntes, guardas ou muros.

No âmbito do Direito do Trabalho, a decisão dialoga diretamente com a principiologia que rege a relação laboral. O artigo 7º da Constituição Federal consagra direitos fundamentais como jornada limitada, proteção à saúde e higiene, e condições dignas de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho, em diversos dispositivos, reforça a obrigação patronal de fornecer alojamento adequado, água potável, equipamentos de proteção individual e respeito às normas de saúde e segurança. Quando tais garantias são descumpridas de forma grave e sistemática, não se trata apenas de infração administrativa ou de passivo trabalhista, mas de violação estrutural da dignidade laboral. É nesse ponto que se evidencia a importância do olhar trabalhista sobre o tema: o descumprimento de direitos sociais mínimos não é apenas uma questão de contrato de trabalho, mas de direitos fundamentais.

Já sob a ótica do Direito Civil, a discussão alcança a responsabilidade patrimonial e indenizatória. A conduta do empregador que expõe trabalhadores a condições degradantes gera dever de reparação por danos morais e materiais, tanto individuais quanto coletivos. O artigo 186 do Código Civil prevê que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem comete ato ilícito e deve indenizar.

Em casos dessa natureza, além da reparação individual de cada trabalhador, pode-se cogitar da responsabilidade civil por dano moral coletivo, dada a ofensa a toda a coletividade trabalhadora e à sociedade que repudia práticas análogas à escravidão.

Esse paralelo demonstra que a escravidão contemporânea não pode ser compreendida apenas sob um único prisma jurídico. No penal, é crime contra a liberdade e dignidade; no trabalhista, é violação estrutural de direitos sociais; no civil, é ato ilícito gerador de indenização. É exatamente nessa interseção que se justifica a coautoria deste artigo. O olhar do advogado trabalhista e professor, atento à proteção constitucional e às obrigações patronais, se une ao do advogado que atua na construção pesada, área na qual a dimensão empresarial e o risco penal são igualmente relevantes.

A lição que fica é que as empresas, em especial no setor de infraestrutura e construção, devem investir em compliance trabalhista, em boas práticas de governança e em uma gestão responsável do ambiente laboral. Mais do que cumprir a lei para evitar passivos, trata-se de garantir que o trabalho humano seja exercido em condições que respeitem sua dignidade. A decisão do STJ, ao reafirmar que a degradação das condições de trabalho basta para configurar a escravidão contemporânea, é um marco importante para a consolidação de uma visão mais humanista, sistêmica e interdisciplinar do Direito.

Dr. Luan Cristian Lourenço

Advogado – OAB/MG 181.047

Sócio do escritório Santiago, Ferreira Pinto, Rocha & Lourenço Advogados

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Luan Cristian Lourenço – Advogado Sócio da Santiago Ferreira Pinto Rocha & Lourenço Advogados

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