QUANDO O TCE (TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS) DIZ MAIS DO QUE DEVE EM UMA DECISÃO LIMINAR: UMA CRÍTICA À FRAGILIDADE OCULTA NO CONTROLE EXTERNO
Por Luan Cristian Lourenço, advogado em licitações e contratos públicos
Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2025.
Em decisões cautelares envolvendo licitações, espera-se do Tribunal de Contas uma postura técnica, objetiva e rigorosa, especialmente quando há indícios de irregularidades capazes de comprometer a competitividade e a legalidade do certame. Entretanto, algumas formulações inseridas “de passagem” em despachos que versam sobre limimares acabam produzindo efeitos muito maiores do que aparentam, e é exatamente isso que merece atenção crítica.
Chamou especial atenção o seguinte trecho, incluído ao final da negativa de um pedido liminar nos autos de uma denúncia:
“Ressalto, contudo, que este Tribunal de Contas poderá determinar a suspensão do procedimento licitatório em qualquer fase até a assinatura do respectivo contrato.”
À primeira vista, a observação parece apenas complementar ou até meramente informativa. Mas não é. Essa frase, totalmente dispensável no contexto da decisão, produz consequências jurídicas, que fragilizam a própria atuação do Tribunal.
Primeiro, trata-se de uma afirmação que não era necessária para o indeferimento da liminar. A decisão já havia examinado plausibilidade jurídica e perigo da demora. Inserir, logo após a negativa, uma menção a um suposto limite temporal foi um movimento gratuito, que abre um campo de interpretação que não precisava existir. Em decisões administrativas, dizer o que não é necessário costuma criar ruídos e, neste caso, ruídos que repercutem diretamente na eficácia do controle externo.
A redação adotada ainda cria a falsa impressão de que, após a assinatura do contrato, o Tribunal perderia sua capacidade de agir. Embora a legislação seja clara ao afirmar que o controle externo atua antes, durante e depois da contratação, a frase sugere o contrário, induzindo a uma leitura equivocada de preclusão temporal. Uma leitura que não existe na lei, mas que a decisão acabou por insinuar.
Além disso, ao mencionar expressamente que a suspensão só seria possível “até a assinatura do contrato”, o texto cria, mesmo involuntariamente, um incentivo perigoso: a “corrida à assinatura do contrato”.
Gestores Municipais e empresas passam a entender que, quanto mais rápido formalizarem o contrato, menor será a chance de intervenção do TCE. A frase transforma o ato de assinatura em estratégia defensiva, e não em ato de legalidade previamente verificada.
Esse tipo de formulação também oferece munição para quem busca esvaziar ou adiar a fiscalização. Ainda que incorreto, o trecho pode ser invocado como argumento de que não haveria mais cautelar possível, de que houve perda de objeto ou de que a atuação do órgão estaria limitada. Em outras palavras, uma simples frase abre espaço para interpretações que reduzem a força da fiscalização e dificultam a proteção do interesse público.
Por fim, há um paradoxo evidente: a decisão nega a liminar, reconhece que o contrato está prestes a ser assinado e, simultaneamente, afirma que a atuação cautelar do Tribunal estaria limitada justamente até esse marco. A decisão se autolimita e, com isso, reduz a margem futura de atuação do próprio TCE. Uma contradição que compromete a efetividade da fiscalização.
A redação de decisões cautelares exige precisão, responsabilidade institucional e consciência dos efeitos concretos que as palavras produzem. Inserir uma limitação temporal inexistente na lei, e desnecessária ao raciocínio decisório, cria terreno fértil para interpretações equivocadas, acelera artificialmente a consolidação de atos potencialmente ilegais e diminui a eficácia do controle externo.
Mais do que um deslize redacional, trata-se de um sinal preocupante de que o Tribunal de Contas precisa aprimorar sua técnica decisória para evitar que decisões abram portas que a lei não abriu e fechem portas que a fiscalização precisa manter amplamente abertas.

Dr. Luan Cristian Lourenço
Advogado – OAB/MG 181.047
Sócio do escritório Santiago, Ferreira Pinto, Rocha & Lourenço Advogados
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Luan Cristian Lourenço – Advogado Sócio da Santiago Ferreira Pinto Rocha & Lourenço Advogados